terça-feira, 11 de julho de 2017

Layla e eu

Escrevo do aparador da cozinha enquanto faço o jantar. Uma frase e uma ida ao fogão. Outra frase e uma ida à pia. Mais um e vou me virando entre as duas que me habitam neste fim de tarde chuvoso. Sou nordestina. E hoje encontrei uma israelita. Nos encontramos. Mais eu a ela, do que ela a mim. Mas tanto faz: acho que ela esperava que assim o fosse. Pelo menos, eu escrevo.

Este blog é para mim. Apesar de supostamente ser um blog sobre cinema e literatura, ele não é convencional. Aqui minhas impressões vem do que vejo e leio e, portanto, do que a juventude convencionou chamar de spoiler. Não acredito que alguém vá lê, mas para evitar quaisquer paranoias nesse sentido já vou dizendo: conto aqui começo, meio e fim do filme Tempestade de Areia.

Layla é uma jovem muçulmana habitante de uma vila ao sul de Israel. Mora com sua mãe e as três irmãs. Seu pai nos parece um transgressor: ensina a filha a dirigir, deixa que ela vá à faculdade, permite que as filhas menores usem calças, fiquem na presença de reuniões de homens. Mas o sistema é opressor e, aos poucos pelos olhos de Jalila agente vai percebendo.

Algumas coisas são pura intuição. Numa cultura tão opressora sobre o feminino, uma mulher ter quatro meninas e nenhum menino não deve ser nada bom para a mulher en questão. Por isso, encontramos Sulliman, numa celebração de segundas núpcias com uma mulher mais jovem. Enquanto sua primeira esposa tenta lidar com a situação, com essa espécie de rejeição, é possível vislumbrar o cotidiano dessas mulheres e homens, distantes do glamoroso mundo das dançarinas do ventre que o ocidente aprendeu a endeusar. No universo de Layla não há glamour somente um ciclo permanente de opressão dos homens sobre as mulheres e do sistema sobre todos eles.

Layla se apaixona por um rapaz de outra tribo. Ela acredita que seu pai a apoiará. Afinal, ele não a ensinou a dirigir? Não a deixou ir à faculdade? Sim, ele é transgressor. Layla não vê o que acontece. Não percebe que sua mãe foi rejeitada por não dá um herdeiro ao pai. Que seu pai preferia está com uma só esposa Não percebe que a segunda esposa ficou com seu pai por falta de opção. "Cresce, Layla". Existem aqui modelos geracionais que não podem ser esquecidos, suprimidos ou relevados. Sua mãe é banida por se opor ao casamento arranjado, por questionar seu papel de homem. Mas tudo que ele quer é ficar com ela, é aceitá-la de volta. Mas precisa fazer o que tem que ser feito. Ela ainda tenta a alternativa, mas esta alternativa não dará alternativa a outras quatro pessoas. E eles se amam. Então, Layla casa com um homem da tribo e que seu pai escolheu. E entra no ciclo.

Eles nascem livres - meninos e meninas - mas são subjugados pelo costume e pela tradição religiosa. Não é que não se questione; sim, se questiona. Mas é como não se pudesse fazer nada. É preciso se fazer assim, não há alternativa. Ela até aparece, como uma miragem no deserto, mas quando nos avizinhamos dela...puf! Sumiu.

Neste filme não é o pai que oprime, não é a mãe que tenta fazer permanecer o ciclo, são as novas gerações que sei lá por que (talvez ausência de consciência concreta da realidade dada, como diria Marx) não consegue deixar o ciclo, como no vórtice maluco de um filme hollywoodiano qualquer. E esse nem foi feito em Hollywood ou Bollywood.

Então, o filme acabou. Era quase noite. Desliguei o notebook. Vim pra cozinha e fui pensar o que fazer para o jantar. "É mãe, pelo menos eu escrevo".

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