segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A caixa

Eu sei o que é. Sei até o que tenho que fazer. Não é fisico, nem mesmo mental. É emocional. Mas não tenho como mudar isso,  nem fazer desaparecer, nem transformar. É como uma caixa muito, muito, muito pesada que não consigo erguer. E eu precisaria erguer para que alguma mudança no meu humor, na minha esperança, na minha perspetiva mudasse. E então você me diz: "alguém pode lhe ajudar a erguer". É, pode. Algumas pessoas já quiseram, mas o problema é que ela é muito, muito, muito pesada e no meio as pessoas pensam "pq vou ficar me esforçando tanto? Tenho minhas próprias caixas pra erguer" E me deixam com a caixa muito, muito, muito pesada. E seu peso me faz derrubar a caixa e eu caio junto com ela. No chão eu penso que o melhor é deixa-la lá mesmo pelo menos se não tentar ergue-la posso ficar de pé, ao lado da caixa muito, muito, muito pesada. Melhor triste do que caída.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Layla e eu

Escrevo do aparador da cozinha enquanto faço o jantar. Uma frase e uma ida ao fogão. Outra frase e uma ida à pia. Mais um e vou me virando entre as duas que me habitam neste fim de tarde chuvoso. Sou nordestina. E hoje encontrei uma israelita. Nos encontramos. Mais eu a ela, do que ela a mim. Mas tanto faz: acho que ela esperava que assim o fosse. Pelo menos, eu escrevo.

Este blog é para mim. Apesar de supostamente ser um blog sobre cinema e literatura, ele não é convencional. Aqui minhas impressões vem do que vejo e leio e, portanto, do que a juventude convencionou chamar de spoiler. Não acredito que alguém vá lê, mas para evitar quaisquer paranoias nesse sentido já vou dizendo: conto aqui começo, meio e fim do filme Tempestade de Areia.

Layla é uma jovem muçulmana habitante de uma vila ao sul de Israel. Mora com sua mãe e as três irmãs. Seu pai nos parece um transgressor: ensina a filha a dirigir, deixa que ela vá à faculdade, permite que as filhas menores usem calças, fiquem na presença de reuniões de homens. Mas o sistema é opressor e, aos poucos pelos olhos de Jalila agente vai percebendo.

Algumas coisas são pura intuição. Numa cultura tão opressora sobre o feminino, uma mulher ter quatro meninas e nenhum menino não deve ser nada bom para a mulher en questão. Por isso, encontramos Sulliman, numa celebração de segundas núpcias com uma mulher mais jovem. Enquanto sua primeira esposa tenta lidar com a situação, com essa espécie de rejeição, é possível vislumbrar o cotidiano dessas mulheres e homens, distantes do glamoroso mundo das dançarinas do ventre que o ocidente aprendeu a endeusar. No universo de Layla não há glamour somente um ciclo permanente de opressão dos homens sobre as mulheres e do sistema sobre todos eles.

Layla se apaixona por um rapaz de outra tribo. Ela acredita que seu pai a apoiará. Afinal, ele não a ensinou a dirigir? Não a deixou ir à faculdade? Sim, ele é transgressor. Layla não vê o que acontece. Não percebe que sua mãe foi rejeitada por não dá um herdeiro ao pai. Que seu pai preferia está com uma só esposa Não percebe que a segunda esposa ficou com seu pai por falta de opção. "Cresce, Layla". Existem aqui modelos geracionais que não podem ser esquecidos, suprimidos ou relevados. Sua mãe é banida por se opor ao casamento arranjado, por questionar seu papel de homem. Mas tudo que ele quer é ficar com ela, é aceitá-la de volta. Mas precisa fazer o que tem que ser feito. Ela ainda tenta a alternativa, mas esta alternativa não dará alternativa a outras quatro pessoas. E eles se amam. Então, Layla casa com um homem da tribo e que seu pai escolheu. E entra no ciclo.

Eles nascem livres - meninos e meninas - mas são subjugados pelo costume e pela tradição religiosa. Não é que não se questione; sim, se questiona. Mas é como não se pudesse fazer nada. É preciso se fazer assim, não há alternativa. Ela até aparece, como uma miragem no deserto, mas quando nos avizinhamos dela...puf! Sumiu.

Neste filme não é o pai que oprime, não é a mãe que tenta fazer permanecer o ciclo, são as novas gerações que sei lá por que (talvez ausência de consciência concreta da realidade dada, como diria Marx) não consegue deixar o ciclo, como no vórtice maluco de um filme hollywoodiano qualquer. E esse nem foi feito em Hollywood ou Bollywood.

Então, o filme acabou. Era quase noite. Desliguei o notebook. Vim pra cozinha e fui pensar o que fazer para o jantar. "É mãe, pelo menos eu escrevo".

quarta-feira, 22 de março de 2017

Uma (s) mulher (es) e tanto 2

Escritores da Liberdade, estrelado por Hillary Swank, em um ano que ainda preciso ver ;), é baseado na história da professora de Lingua Inglesa Erin Gunwell e sua chegada na escola (cujo nome não lembro) em Long Beach. Uma escola que sofre os efeitos de uma reforma que propõe a integração regional como forma de dirimir as diferenças. Algo que já é nos é mostrado no inicio do filme ao sermos apresentados às seçoes com a qual sao divididos os espaços fisicos no patio. E eles não se misturam: latinos, negros, asiaticos. Cada um no seu quadrado. Mas ela acredita na integração e esse esforço dela é aindq maior por ser uma das poucas na escola.

Seu universo de atuação é do pedagógico. Textos mais de acordo com a realidade, forçar a reorganização do mapa de sala, postura e roupas vão sendo modificadas para criar empatia consigo e com a aprendizagem.
Mas o mundo os convida a outras coisas e a vida deles é nas tribos. Como pensar o universo formativo integrador dentro dos limites de um ambiente violento, sectario, corporativista (sim, pq nao?) onde o silêncio é proteção, é arma, é marca de uma população oprimida num sistema meritocrático que desintegra e promove isso. Racismo, intolerância, falta de oportunidade em um salve-se quem puder que de tão cotidiabo soa normal.

"Fechem os livros"

E ela descobre que os limites não são apenas económicos e pedagógicos, são culturais, são sociais. Ela não sabe onde moram, como vivem, quem são. E pra eles, ela não faz sentido, escola não faz sentido

"Por que vc deveria ser respeitada? Por que vc é professora?
"O que vc tem pra mim?"
" O que é Holocausto?"
Eles vivem um holocausto e nem sabem o que é. O choque de culturas é uma chacoalhada na pedagogia da moça. Sua tentativa ainda é pelo conhecimento, mas sem apoio ou crença da escola, ela faz algo que não deve ser exemplo: ela assume as contas da educação desses meninos bancando materiais, passeios, livros.
Mas há uma percepção aqui: é preciso conhece-los, que eles se conheçam a si e também uns aos outros. Faze-los ver quantas semelhanças têm, mais do que suas diferenças étnicas. O jogo da linha é um reconhecimento de si, mas tb do outro. E cria a empatia necessária ao aprendizado e a socializaçao na sala de aula.
E entao os diários.
"Todos tem uma história"

As escritas de si assumem uma proporção inesperada ao irem alem de um movimento em torno do aspecto pedagógico de faze-los treinar a produção escrita. Aparecem como uma projeção de si e mais de si no mundo em que vivem. Permitem repensar valores, se são seus, do seu povo ou do povo do outro lado do bairro,  da rua, do pátio.
E ela e nós vamos sabendo de suas histórias.
Ela promove uma libertação dos efeitos de uma vida socialmente limitada e demarcada pela cor da pele. E isso como prática tem efeitos importantes na vida de cada um e na dela tambem. Por que se tem uma coisa que esse filme nos ensina é em como as escritas de si podem ser um componente formativo dos mais poderosos.
Isso tudo tem um custo, claro. Há perdas no processo. Mas há ganhos. E nessa contabilidade, o ganho da libertação é o melhor custo-benefício.
Como Nise, Erin acreditou numa ideia e correu atrás pra cuidar melhor dos seus alunos, da forma que acreditava ser melhor. O que essa história nos inspira, como em O coraçao da loucura, e saber que pessoas boas existem e que elas continuam a fazer o bem, no matter what. Isso nos dá esperança.

sábado, 18 de março de 2017

Capítulo 1?

Tudo que ela queria era que o tempo passasse e que sua penitência fosse cumprida. E aí, quem sabe, pudesse ser livre. Escolhas erradas se aplicaria se tivesse sido uma escolha. Mas não foi. Nunca foi uma escolha. Uma fatalidade? Não sei se era um nome apropriado. Talvez não existisse um nome ainda. Talvez Camões e Shakespeare. Tudo isso pensava em meio aos gritos e birras do filho de 06 anos para quem todos olhavam naquela sala de laboratório, enquanto três enfermeiros o seguravam para fazer um exame de rotina. Por que crescera tanto? Nota mental: não transar com homens de mais de 1,80. Era pequenina e delgada. Não tinha mais que 1,60 em 53 kgs bem distribuídos em seios pequenos e bumbum arredondado. As carnes no lugar certo, diriam alguns. [...]

quarta-feira, 8 de março de 2017

Quem é Mrs. Dalloway?

O filme As horas, estrelado por três grandes intérpretes remete muito mais à todas a mulheres do que aquela que as inspirou, Virginia Woolf.

Um único dia na vida de uma mulher, e neste dia toda a vida dela

E o filme mostra o dia de três mulheres separadas pelo tempo, pelo lugar e pela cultura. O que as une? O ser mulher, esse ser ainda tão envergonhado, parafraseando Adélia Prado.

Vivem nas suas relações de genero, em suas generalidades tão genericas de um cotidiano que também é nosso.

Pensei que ia ficar melhor que isso.
Porque está tudo dando errado?

Virginia escreve sobre Mrs. Dalloway. Kitty lê Mrs. Dalloway. Clarissa é Mrs. Dalloway, só que me NY e em 2001. Se tornou, na verdade, Mrs. Dalloway. Quem é esta mulher Dalloway, afinal?

Vamos encontrando com ela nas esquinas das narrativas entrelaçadas por um roteiro extremamente bem escrito e convodativo.

Uma mulher só é mulher quando se torna mãe

O bolo deu errado.

E as dores sobre as quais não podemos falar vão eclodindo numa erupção lenta e constante. Sabemos que vai ser destrutiva, mas não conseguimos parar de olhar, como um voyeur sádico e megalómano.

Personagens de si mesmas, o cotidiano delas vai se desenhando ante os olhos do espectador que só espera. Sobreviventes do seu mundo se apoiam e apoiam umas às outras. Às vezes.

Eu ia matar minha heroina, mas mudei de ideia. Agora, terei que matar uma outra pessoa

Mas sabemos que ela mata. Mas o que ela mata? Quem ela mata? No filme, ela se mata. Coisa que sabemos do Wikipedia e das primeiras cenas do filme

É um drama. A trilha diz. O entrelaçamanto diz. As narrativas dizem. A história conta.

Todos os fantasmas vieram para a festa

Ela tem a propria vida e a vida dos livros que escreve

Não era o começo. Era a felicidade. O momento.

Fiz isso por você. Fiz isso par você melhorar. Fiz isso por amor

E quem diabos pediu isso? Pelo menos, Leonard volta pra Londres.

Por um momento achei que ia demorar mais, mas mudei de ideia.

Será? Alguém tem que morrer, segundo Virginia Woolf.

Um filme sobre dor, morte, vida, escolhas e coragem. Mas também sobre medos e covardias.

Mas ainda tenho que enfrentar as horas, não?

Todos temos, Richard, todos temos.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Uma(s) mulher(es) e tanto: parte 1

Nise - O coração da loucura (2016), Escritores da liberdade (2007) e Além da sala de aula (2011). O que têm em comum? São biográficos, são sobre mulheres e são ações contra um sistema excludente, branco e masculino. São anti-patriarcais. Dá pra dizer mais? Sempre dá. Eles têm ainda um traço comum: nos dão esperança. Esperança que existam pessoas boas, esperança que a Luz possa ter algum ganho sobre as Trevas e um lembrete permanente de que estas existem. É isso: essas obras são um lembrete de que estamos cercados, mas que existem pessoas boas que não esmorecem diante de tantas pessoas ruins e que nos inspiram, a nós, esses, como eu, que não são nem da Luz e nem das Trevas que não têm a força para optar por um lado e ficam só na torcida para que um deles vença. eu sou da torcida da Luz. Pelo menos isso, eu ainda consigo







Nise - O coração da loucura foi um filme dirigido por Roberto Berliner no Brasil em 2016. Teve como intérprete da psiquiatra Nise da Silveira a atriz Glória Pires. Uma atuação bem morna, a meu ver, mas não é disso que se trata esse post mas de como esse filme ao homenagear essa grande mulher nos inspira a sermos grandes também. O filme começa no retorno da Dra. Nise ao Hospital Nacional psiquiátrico em Engenho de Dentro - RJ, no ano de 1944. A cena de abertura foi extremamente bem escolhida pois simboliza essa luta que ele teve de abrir a cabeça desse universo médico machista e retrógrado que tentou romper. Mas a porta se abre, finalmente, e o filme começa a nos mostrar os horrores do tratamento para doentes mentais até a primeira metade do século XX

"O meu instrumento é o pincel, o seu é o picador de gelo"

Os personagens desse drama real vão nos sendo apresentados em sua forma mais crua enquanto a Dra. Nise adentra o edifício do hospital. Esquizofrênicos, diagnosticados como "doentes crônicos incuráveis" objetos de experimentos sádicos de médicos ignorantes que só queriam "curar" sem se perguntar, sem perguntar, sem cuidar.

"Pacientes precisamos ser nós, eles são clientes"

Arte-terapia surge dessa inclinação quase natural para a parceria e no lugar de "doentes crônicos" o mundo os reconhece como "grandes artistas brasileiros", na fala do personagem Mário Pedrosa.

"Ele começa com essas pinceladas curtas e depois ela vai ganhando o quadro todo. Ele as chamou de pixel"

Criavam arte ao mesmo tempo em que davam lógica a seu pensamento analógico e desordenado. Se curavam sem erradicar nem afeto, nem emoção, nem a própria doença. Conviviam. E os maus? Estavam lá. Torcendo para que desse errado, boicotando através do sistema, assassinando ideias, ações e motivações. Tentando quebrar a confiança, a esperança, a motivação dessas pessoas especiais. Especiais por serem mulheres, por serem maternas, por serem cuidadoras.



Violência das gangs e tensão racial em Long Island, em New York State é o cenário de onde vai surgir outra grande mulher. Mas isso é papo pra outro post, pra outra hora, pra outra conversa. Uma conversa de mulheres sobre mulheres para pessoas que se dedicam á simplesmente ser Luz. 

Resultado de imagem para nise o coração da loucura


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

No boteco

-Posso sentar com você? Claro, senta aí. Essa foi a primeira e ultima vez que se falaram. É um mundo estranho (ou não), mas é o nosso mundo e nunca o tal do "aceita que dói menos" foi mais real pra mim. Enquanto o rapaz sentava, sacava o celular e comia enquanto os olhos só seguiam o que ia na tela, me pus a especular sobre o que conversariamos se a opçao dele fosse mesmo a de sentar com o outro à sua frente e não ao lado do outro na mesma mesa. Piaget chamaria de egocentrismo não trabalahado, eu chamo de desperdicio da existencia, haverá quem chame "normal".