sábado, 10 de outubro de 2015

O TERCEIRO SEGREDO DE STEVE BERRY

Isso não é uma resenha. Dito isto, quero escrever minhas impressões sobre O terceiro segredo, livro de Steve Berry publicado pela Record no Brasil em 2005. O terceiro livro de Steve Berry traz as polêmicas que envolvem as aparições de Maria, mãe de Jesus, em suas aparições pelo mundo na medida em que mostra as intrincadas relações de poder que envolvem a comunidade clerical do Vaticano, particularmente àquelas ligadas a seu líder religioso.



A trama parte de uma hipótese, polêmica, de que o terceiro segredo não foi completamente revelado. Utilizando como cenário o fictício papado de Clemente XV, sucessor de João Paulo II, alguns documentos confidenciais são consultados noite a pós noite pelo o Santo Papa. O que Jacob Volkner tanto examina na exclusivíssima Biblioteca do Vaticano?

Certos documentos dessa Biblioteca só podem ser acessados pelos Papas. Entre eles, o terceiro segredo de Fátima revelado a menina Lúcia em 1917 e só revelado à público através de um escrito traduzido do português para o italiano em revelado ao público em 2000 por João Paulo II. Muito se especula sobre a mensagem real que a Virgem teria dito a Lúcia naquele outubro de 1917. E Berry se sustenta nessa deixa para nos entreter com uma história instigante e bem escrita como um bom thriller policial, em meio ao suicídio de um Papa, um Conclave e um desfecho emocionante em torno dos envolvidos. Uma história que a mídia e o povo nunca vai saber, nem mesmo seus príncipes escarlates terão a mínima ideia.


Um amor proibido entre uma jornalista e um padre católico, secretário do Papa, assim como um Celebrity Priest e um Cardeal que faz tudo, inclusive matar, pelo poder de comandar esta igreja empresta uma dinâmica que te faz não querer largar o livro. Como uma novela, envolve o leitor em várias histórias fazendo nos fazendo pensar nas relações entre religião e política na escala do poder mundial.

Ao longo do livro vamos retirando a batina desses padres e vendo-os como os homens que são. Homens que desejam fama, poder, sexo, amor, família e atender ao que acreditam ser o chamado de Deus para eles na Terra. Colin quer o direito de amar sem  restrições à mulher que escolheu sem ter que optar por seu trabalho como clérigo ou essa felicidade terrena, algo que o próprio Jakob desejou e não pôde ter, arrastando consigo um amor puro por toda a vida da mulher que o amava. 

O padre Kealy buscava a fama ao mesmo tempo em que questionava o que deveria ser para ele inquestionável enquanto o Cardeal Valendrea queria trazer o apogeu católico da idade média para o mundo atual como forma de parar o avanço do mundo moderno sob o trabalho de Deus. Incluir um padre que mais parecia um agente Iluminatti como secretário deste foi um toque macabro em um ambiente já tão carregado protagonizado por este Cardeal. Então, temos um padre correto, vigoroso que ajuda criancinhas e quer seguir os planos de Deus, planos que atrapalham os homens. E então são muitas mortes, suspense, corridas pela Europa e muita, muita ação.

O terceiro segredo nunca será revelado por completo, nem tanto pelo segredo em si, mas por demonstrar o quanto os céus estão descontentes com os rumos que o povo daqui de baixo anda dando à sua própria obra. Mas Berry o revela para nós, seus leitores, e que linda mensagem de diversidade e tolerância ele criou para nós! Independente de ser a verdadeira mensagem dos céus, serve para que os religiosos do mundo inteiro possam pensar que uma atualização do pensamento religioso precisa alcançar mais pessoas e, desse modo, melhorar o mundo para todos.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A VIDA DE ADELE OU "AZUL É A COR MAIS QUENTE"

La vie d'adele que assumiu no Brasil o título do mercado norte-americano Blue is the warmest color e do quadrinho que deu origem ao roteiro (Azul é a cor mais quente) é um produção francesa de 2013 que se destaca pelas cenas intensas. Todas elas: de choros, de sexo, de risos, de comida, de dança. Tudo é absolutamente intenso. a trilha sonora é massa, a fotografia é belíssima e a sonoplastia de uma poeticidade que me fez esquecer que, afinal, era só um filme. Ouvir a respiração Adèle Exarchopoulos, a belíssima atriz que dá vida á personagem Adele, é um convite à nossa própria sensualidade.



É isso: o filme é sensual. Nem entendi por que essa opção americana por mudar tão radicalmente um título já tão bom. Afinal, o filme é isso mesmo: a vida dessa menina se tornando mulher enquanto descobre a sexualidade, o amor e a relação cotidiana. O filme conta a história de Adéle e Emma e sua constituição como casal. Quando Emma encontra Adéle, ela é uma menina de 15 anos fazendo escola secundária como uma menina parisiense de sua época.


Tive dificuldade de escrever sobre este filme por que ele tem muito bons diálogos e momentos para se refletir. O filme é contextualizado trazendo as passeatas dos jovens por empregos e melhores condições par aos imigrantes em close-ups que nos deixam perceber a meninice de Adéle em meio às suas emoções afloradas pela incerteza do futuro no interior de uma família pequeno burguesa. Suas interações com o sexo oposto e a indefinição quanto a gostos sexuais vão sendo apresentadas ao público como prévia das tórridas cenas protagonizadas com Emma pela total apatia diante de tudo. Mas acima de tudo, traz essa mulher tão cotidiana e tão nós apenas tentando viver sua vida emocional e material como e possível. Um modo de vida absolutamente contemporâneo.

O olhar de Adéle é curioso e, apesar, de um modo simples e prático de encarar a vida essa é uma característica da personagem nas 3 horas que dura a produção. É uma vida que se conta e não pode ser nem exibida, nem assistida de forma aligeirada. As cenas são bem intensas e a direção de Abdellatif Keniche não deixa nada nas entrelinhas; tudo é dito, tudo é feito, tudo é visto, tudo é ouvido.

Após seu encontro com “a moça de cabelo azul Emma” (Lea Seydoux), estudante de Belas Artes, o relacionamento delas evolui, assim como as aspirações de cada uma. A opção de ser professora de Adéle parece incomodar as pessoas do círculo de amigos de Adéle e essa diferença é dada pelo diretor a opor duas cenas de dois jantares envolvendo as famílias de ambas. Fica claro para o espectador que a formação e as expectativas de uma e de outra vêm especificamente da família que as gerou.

Claro que tais diferenças iriam cedo ou tarde iam influenciar os caminhos dessa relação. Adéle nem se interessa por entender o universo de Emma! Vemos Adéle participando do universo de Emma, mas o inverso não acontece. E talvez por uma decisão da própria Adéle que não assume publicamente sua relação homoafetiva em todo o tempo da narrativa.

Adéle parece desconfortável o tempo todo, ainda que seu texto seja d euma moça centrada, antenada com o que vai ao acorrente, sem preconceitos e focada, seu desconforto tá num certo olhar e num timidez exacerbada, particularmente em meio aqueles artistas e intelectuais que são o mundo de sua companheira. A câmera capta bem essa personalidade confusa. O olhar triste é sua marca.

Tudo é feito com muita vontade. Eles comem mesmo, dançam mesmo, riem mesmo, choram mesmo e transam mesmo! Mas é tão cotidiano que temos que nos lembrar que é ficção. O visual despojado dos atores contribui para isso. Gosto do cabelo sempre despenteado de Adéle e mais ainda quando evolui para algo mais comportado, como o de uma “mulher séria”. O visual de Emma também evolui e sai do azul contestador para o loiro trivial. Tudo se assenta na vida cotidiana e como esse passar do tempo nos faz mergulhar num cero modo de ser e de viver.

E aí acontece. A solidão ou sentimento de pertença faz Adéle sair com um colega professor. Mais uma vez as cenas sensuais nos permitem um comparativo e mesmo que nós e Adéle saiba que a escolha dela já estava feita desde os 15 anos, Emma não perdoa a traição, a põe para fora de casa e termina a relação.

As próximas cenas são um convite a cuidar bem do seu amor por que a vida de Adéle passa a ser apenas mecânica do trabalho. Uma cena emblemática é o choro convulsivo no último dia das aulas: nem esse bálsamo para suas horas de solidão ela teria.


Há, então, um reencontro. Algo que o Diretor nos dá para ficarmos para além da vida de Adéle. Emma conseguiu expor na galeria que ela queria, do modo como queria e está com outro alguém. Não há final feliz aqui. Nem sei se há final, afinal. O que há é apenas La vie d’adele e de todos nós.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A ERA DA JUVENTUDE [THE AGE OF ADALINE]

A história: Adaline Bowman (Blake Lively) sofre um acidente de carro quando tem 26 anos. Esse acidente, por uma combinação físico-química e biológica interessante causa um crash no "sistema de envelhecimento" e ela nunca mais envelhecerá. 



Melhor que Highlander que precisava lutar contra seus iguais o tempo todo, melhor que Drácula (e seus continuadores) que precisavam de sangue (Eca!) para continuar forte e belo, nossa personagem só precisa se esconder de modo discreto do seu Governo para não virar um experimento. Vidinha boa, hein? Bom, aí você vai ter que ver o filme e descobrir por que, com todas essas vantagens, tudo o que Adaline queria era envelhecer. E se não quiser saber mais antes de ver, então sugiro que pare por aqui.



O filme em si eu classificaria de "boinho". Precisei assistir duas vezes para entender que ele não tinha nenhum UAU por que não era a proposta. Numa linha mais para Benjamim Botton do que para Crepúsculo, a linha aposta em uma possibilidade científica admíssivel. Afinal, qualquer um pode sofrer um acidente de carro, cair num rio gelado, morrer de hipotermia em 30 segundos, ter o coração desfibrilado por um raio de sei lá quantos mil amperes e desacerelar em nível de DNA nosso envelhecimento natural. E então a ação acaba e o que vemos é uma mulher tentando viver como se nada tivesse acontecido. Mas isso é impossível por que sua juventude começa a "dar na vista"


Não apenas a vizinhança começa a desconfiar dos milagres produzidos pela industria cosmética, como o próprio governo paranoico dos EUA. Então, é fugir ou virar experimento científico. Quando sua filha começa a parecer mais velha que ela mesma ela sabe que é hora de ir. E vai.



Suas tentativas de levar uma vida mais que normal a leva para Paris onde conhece um jovem que se apaixona pela beldade a ponto de lhe pedir em casamento. Mas ela foge de novo.



E então, outra percepção da personagem é que estaria fadada a solidão. Sua tentativa tão humana de presença é aliviada por gerações de cachorrinhos que ela vai perdendo ao longo de 60 anos dessa incrível história. A manutenção da raça é uma tentativa de buscar essa presença tão difícil para seu estado. A ideia de envelhecimento juntos aqui ganha uma dimensão muito maior que a trazida por Homero no A odisseia por que nos conduz a pensar no nosso entorno: nós envelhecemos, mas nossos amigos, filhos, pets também junto conosco. Isso nos dá essa presença, esse sentimento de pertença, de normalidade e equilíbrio necessários à jornada. É evolutivo; é natural.




O que aconteceu com Adaline foi um fenômeno natural que a desnaturalizou, mas e os procedimentos cirúrgicos? E os photoshops? Eu fiquei admirada ao ver Tom Cruise no Missão Impossível 5. Parecia que ele estava vivendo a incrível história de Adaline!


Mas ninguém é feliz sozinho de Adaline se apaixona novamente. E mais uma vez o rapaz quer um relacionamento sério. Ela atrai para si o charmosíssimo Elis (Michiel Huisman), filantropo que a conhece numa de suas visitas na biblioteca em que ela trabalha na cidade de San Francisco. O reencontro acontece na noite de ano novo e é o início de uma nova jornada para Adaline. Uma viagem de volta a Paris e ao jovem William (Harrison Ford), agora casado há 40 anos com Kathy (Kathy Baker) e pai de dois filhos: a tempestiva Kiki (Amanda Crew) e... o seu mais recente namorado Elis.


O destino avisa que é hora de parar de fugir e outro acidente põe fim a essa incrível história. De novo um narrador nos informa os acontecimentos no corpo de Adaline na medida em que seu organismo, em um tranco, reinicia seu curso natural. E outro fenômeno natural desta vez a naturaliza.


As cenas finais quando Adaline descobre o que o narrador já havia nos contado são especiais na recorrente temática "eterna juventude". O fio branco pairando em suas mãos perfeitas lhe indicando que voltara a seu curso normal nos dá uma dimensão da desimportância da paranoia em torno do corpo perfeito, dos tratamentos anti-rugas, anti-natureza. Nossa natureza é envelhecer. Se a alma não for junto, então é como disse Adaline esta tudo "perfeito"! 


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

CINEMA E LITERATURA



 Um livro me anima ou me desanima a ver sua tradução fílmica. Um filme me anima ou me desanima a ler o livro que o originou. É uma ação consciente. Mas nem sempre foi. Não conhecia A sereiazinha, de Andersen antes de assistir A pequena sereia, da Disney. A animação me animou a buscar o conto. Fiquei triste com o final inusitado do conto: esperava o mesmo “felizes para sempre” da animação. Eu tinha 12 anos e foi então que percebi que não eram apenas formato e linguagens diferentes, eram histórias diferentes. Quando o conto não tinha felizes para sempre, a Disney se encarregava de o colocar lá? E como fica a autoria quando o texto já é de domínio público? Pode-se fazer o que quiser?
Da minha adolescência para cá foram muitos livros e muitos filmes. Muitas histórias que chegam algumas vezes pelo livro e outras pelo filme, mas o hábito nunca mudou: se assisto uma tradução fílmica desperta meu interesse em conhecer a versão do livro, se lido um livro, ele se torna filme, assistirei a esta tradução. É quase um ritual. Muitas vezes é só pra ver outra história diferente daquela uma que eu conheci; quase como uma versão alternativa. Afinal, a esperança de um final feliz par ao clássico shakespeariano nunca morreu em mim (por que ele tinha que tomar aquele veneno, jovem sem paciência).  Somente o interesse despertado pelas cenas de Demi Moore em A letra escarlate é o suficiente para fazer o leitor regular buscar a obra Hawthorne? Mas até que ponto esta relação pode ajudar no entendimento de uma obra ou, em contrário, complicá-la mais ainda?
Este ensaio se organiza em três partes. Na primeira delas, uma resenha do livro de Jane Austen e uma análise de contexto será oferecido ao leitor com o intuito de reconhecer a história e sua autoria original. Num segundo momento traremos a sinopse do filme e reflexões teóricas sobre a relação entre cinema e literatura, incluindo outras relações filmo-literária buscando um diálogo teórico sobre o tema em foco. Na última parte nos permitiremos refletir sobre a questão posta no início deste post em uma análise relacional entre as duas obras Mansfield Park, publicada em 1814 e Mansfield Park, dirigida em 1999.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

TORNANDO-SE JANE AUSTEN, sobre o filme "Becoming Jane" ou "Amor e inocência"

O que fazer quando a vida não lhe concede a realização dos desejos do coração? O que fazer quando sua posição social e o dinheiro são sinônimos de sobrevivência? O que fazer quando os sentimentos precisam ser recalcados em função de um sistema econômico? Você os recria dando asas à imaginação. Você conta histórias recontando a vida não como ela é, mas com a esperança de que pudesse ser um pouquinho diferente. Longe de ser um alter ego, as personagens de Jane Austen são muito mais a expressão de um profundo desejo de ter para si um almejado “felizes para sempre”.
 “Como acaba? Ambas conseguem finais felizes e triunfantes. Casamentos radiantes com homens muito ricos”.
“Becoming Jane”, de 2008 e dirigido por Julian Jarrold (no Brasil, “Amor e inocência”), como o próprio título original nos permite perceber, é um filme que busca nos mostrar como Jane, a sétima filha do Reverendo George Austen, se tornando a escritora de Persuasão e Orgulho e Preconceito. No filme, a jovem Jane interpretada por Anne Hathaway, com 20 anos, se apaixona pelo parente irlandês Thomas Lefroy, vivido pelo ator James MacAvoy, e vive as desventuras do que é uma jovem de pouca fortuna na sociedade agrária inglesa do final do século XVIII.







O filme inglês tenta traduzir, através de uma aura de romance, o universo juvenil da autora de clássicos ingleses como Mansfield Park e Emma por meio do mal fadado romance entre Jane e Tom.  Quem conhece um pouco da biografia dessa autora já sabe que esse amor não irá progredir a um casamento por motivos financeiros. Essa situação é demonstrada em vários momentos do filme até seu desfecho final em uma estalagem entre Hampshire e Londres. Não há qualquer evidência histórica sobre essa fuga ter acontecido, mas no filme isso nos dá uma dimensão muito aproximada das dificuldades de ser jovem e apaixonado na sociedade vitoriana inglesa.
“Você perderá tudo. Família. Posição. E a troco de quê? Uma vida de trabalho árduo por uma miséria? Um filho por ano e sem nenhum modo de aliviar a carga? Não há bom senso nisto.”
A história do filme me pareceu tão próxima de seus próprios romances que me custou a acreditar em qualquer traço de verossimilhança da vida real de Jane Austen. Mas o filme deixa entrever esboços de Orgulho e preconceito e Razão e Sensibilidade, indicando que eles estariam sendo pensados durante o período focado pelo filme. Tais livros de fato estavam sendo escritos entre 1795 e 1799, o que incluiria tanto o romance com Thomas, como uma proposta feita pelo Reverendo Samuel Black anos depois. Não há referência histórica a nenhuma proposta de um nobre aristocrata ou de um colega jurista de Thomas, como aparece no filme.


Em sua curta vida, Jane escreveu seis romances. Ela morreu em 1817, aos 41 anos de uma doença arterial que provoca hipotensão e coma. Suas histórias, portanto, revelam um cotidiano que ela existenciava, sendo uma mulher de seu tempo, descrevendo as venturas e desventuras das jovens do período. A preocupação com o casamento, um tema mais que recorrente na literatura austeniana, é também o tema deste roteiro especifico livremente inspirado em sua vida.
“É algo que comecei em Londres. É a história de uma jovem mulher. De duas jovens mulheres. Melhores que as circunstâncias. E de dois jovens cavalheiros que recebem muito mais do que merecem, como acontece a muitos”.
Essa preocupação assume muitos vieses no curso da história, sempre confrontado com a posição social, a sobrevivência financeira e o amor. Casa-se por amor no século XIX? Era bem possível. Casa-se por amor no filme? Certamente. A mãe casara por amor com um pobre reverendo que não lhe dera muito além de filhas para se preocupar. Este amor ainda é presente no corrente da história, assim como a penúria.
“Amor é desejável. Dinheiro é absolutamente indispensável”.
Mas não só a mãe de Jane casou por amor, a mãe de Tom também casou e a penúria dela é bem próxima da miséria na qual vivia a mãe de Fanny no romance Mansfield Park. A conversa final entre Jane e Tom nos dá a dimensão de que estes jovens já aprenderam com os arroubos dos pais a serem mais comedidos em suas escolhas. O filme não deixa clara a escolha de Tom – mas tudo bem, o filme é sobre Jane – mas a escolha de Jane é bem definida: não pode ser apenas por dinheiro, mas também não pode ser apenas por amor.
“Meu doce, doce amigo, vai afundar e eu afundarei com você”.
O filme é leve como uma comédia romântica de Sessão da Tarde, mas traz reflexões importantes sobre o período que foca e mais uma vez nos leva a pensar os textos de Jane Austen como fonte para os estudos de gênero do século XIX. Sendo este um post de cinema talvez não convenha tratar tanto dessa discussão. Mas na medida em que assistia ao filme lembrei-me de um bilhete suicida que li certa vez em um jornal norte-riograndense de 1896. Uma professora, solteira e sem família, se matou aos 32 anos por que era muito triste e solitário ser mulher e pobre no século XIX. Ela tomou veneno de rato na escola em que morava e dava aulas, enquanto suas poucas tuteladas dormiam. A presença de Ann Radcliff, escritora gótica de sucesso no período, neste roteiro indicava a Jane do filme e a nós espectadores que havia possibilidades, mas o diálogo deixa claras as dificuldades sociais que Ann enfrentava por sua escolha e a culpa que sentia por arrastar seu marido para uma vida reclusa e de reputação escandalosa.



Andamos muito até aqui, conquistamos muito mais do que Jane desejava, mas é sempre bom lembrarmos-nos de onde viemos, das coisas que essas mulheres que nossa antecederam fizeram para conquistar o que temos. E este filme faz isso: ajuda a pensar que essas mulheres somos todos nós que casamos ou não cada vez mais por opção e menos por conveniência. Até onde me concerne o mundo mudou. E para melhor. Bom filme. Vale a pena ver e ainda que o final feliz de Jane não fosse o mesmo que o das suas personagens foi o final que ela escolheu e isso já diz muita coisa sobre essa mulher admirável.


sábado, 22 de agosto de 2015

ISTO É OS 40? [sobre o filme 'Bem-vindo aos 40"]

Então. Você está naqueles momentos que em que fica com a caneca de café rolando nas mãos com preguiça de começar o dia e o notebook está ali á mão. E é quando você pensa "Que tal um bobinho para esquentar os neurônios?” 

E foi assim que meu dia começou com “This is 40”, um filme dirigido por Judd Apatow, lançado em 2012 pela Universal com Paul Rudd e Leslie Mann protagonizando o casal Pete e Debbie. Uma participação mais que especial de Melissa MacCarthy é a cereja de um filme despretensioso e deliciosamente divertido no papel da histérica Catherine, mãe do namoradinho da filha mais velha de Debbie. Por que o título me chamou a atenção é bem óbvio: eu tenho 40. Apesar disso não vivo em negação como a personagem do filme ou insegura com os problemas que esta nova fase pode trazer. Tá. Só um pouquinho.

Eu lembro quando fiz 40, e num piscar, lá estava eu, chegando aos 90.

Qual seria a solução? Não pisque.





A história gira em torno da entrada nos 40 anos de Debbie e Pete que fazem aniversário na mesma semana. Fica claro desde a primeira cena os problemas enfrentados por Debbie com essa nova identidade etária e da diferença que isso opera em Pete que parece não se importar; ele não faz nenhuma referência ao fato de está fazendo 40 anos, nem positiva nem negativa. Então, a história gira mesmo em torno dos 40 anos de Debbie. A pergunta de fundo é mesmo “O que é esses “enta”? O que significa entrar nos 40?
Devo dizer que não há como não se reconhecer (NOS reconhecer!) em algumas situações tanto particulares, como de casala, de pais ou de amigos.



E aí eles vão viajar. E tudo fica bem.

“Por que brigamos? Quando brigarmos vamos lembrar desse momento?”

Eles não vão lembrar. Nós não nos lembramos.
Então, eles voltam. E eles estão em sintonias diferentes.

“Somos como sócios num negócio”

E as crianças, nossos filhos nos ensinam quando nos espelham. E nosso retrato é tão ou mais que o de Dorian Gray. Onde fomos parar? Em algum lugar entre os 20 e os 40 nos perdemos. E lá vamos pegar carona com Proust em busca do tempo perdido.


A maternidade nos tira tempo, beleza, sono, tranquilidade e até a capacidade de perceber que está nos tirando tais coisas. Talvez por que tirando estas nos dá outras e as outras são tão importantes como estas. Será que não cabem todas no nosso “bolso” mental? Dá-nos, por exemplo, uma vida de entendimento mais complexo, de compreensão humana e valor existencial que nos torna mais e mais humano. Trocamos nossa aparência pela essência e isso é uma coisa boa. E isso Debbie percebe, junto com a família.


É tudo tão assustador como se você não tivesse a menor ideia de onde pisa e ainda assim tem que continuar a fazer o caminho.


E aí é que tudo se resolve. Por que no filme, como na vida, tudo, no fim, se resolve.
Um filme voltado ao entretenimento com garantia de riso e frases realmente hilárias, mas que nos convida (nós pessoas dos “enta”) a repensar o que importa e ser conceitualmente feliz. 

terça-feira, 11 de agosto de 2015

CHAMAS DA INTOLERÂNCIA

O filme de Alan Parker de 1988, Mississipi Burning, começa em chamas. E não são as chamas revolucionárias que acostumamos a ver nos filmes de ação, são as chamas da intolerância, religiosa, étnica e humana da realidade sulista estadunidense. “Colored” como eram chamados os negros nos tempo que lá ia Luther King reivindicando direitos e traduzindo ao mundo uma democracia que, afinal, era para poucos em um país que se orgulhava de ter levantado essa bandeira “in a first place”. Na trama dois agentes federais vão tentar elucidar o assassinato de três jovens, um deles negro e outro judeu, no Sul dos Estados Unidos por remanescentes da KKK (KU KLUX KLAN) na década de sessenta. As vítimas são jovens militantes vindos de um escritório dos Direitos Humanos. O FBI é convocado para conduzir as investigações na figura do agente vivido por Willem Dafoe, auxiliado por um agente local interpretado por Gene Hackman.



Bem se você que está lendo não quiser spoiler essa é sua hora de parar por que esse filme demanda muita informação interessante
“Acho que estão sendo usados. São mandados para cá com seus Volkswagens e tênis, para que lhes arrebentem os miolos”.
O filme de Alan Parker de 1988, Mississipi Burning, começa em chamas. E não são as chamas revolucionárias que acostumamos a ver nos filmes de ação, são as chamas da intolerância, religiosa, étnica e humana da realidade sulista estadunidense. “Colored” como eram chamados os negros nos tempo que lá ia Luther King reivindicando direitos e traduzindo ao mundo uma democracia que, afinal, era para poucos em um país que se orgulhava de ter levantado essa bandeira “in a first place”. Na trama dois agentes federais vão tentar elucidar o assassinato de três jovens, um deles negro e outro judeu, no Sul dos Estados Unidos por remanescentes da KKK (KU KLUX KLAN) na década de sessenta. As vítimas são jovens militantes vindos de um escritório dos Direitos Humanos. O FBI é convocado para conduzir as investigações na figura do agente vivido por Willem Dafoe, auxiliado por um agente local interpretado por Gene Hackman.
Bem se você que está lendo não quiser spoiler essa é sua hora de parar por que esse filme demanda muita informação interessante
“Acho que estão sendo usados. São mandados para cá com seus Volkswagens e tênis, para que lhes arrebentem os miolos”.
Ainda que o percurso seja previsível, assim como o final é histórico, no sentido de que já sabemos que foi desse jeito mesmo, vale a atuação dos protagonistas, a maestria da condução e, claro, vale aquela esperança de que entre todos os malvados existem criaturas boazinhas que mesmo não fazendo coisas boazinhas conseguem driblar o mal em nome do bem maior.
Só o início já nos diz o que vamos encontrar e como eu não o vi em 1988 quando foi lançado e eu tinha 13 anos, então não posso evitar de compará-lo com outros do gênero. Não tenho muito estômago para esses dramas étnico-raciais como “12 anos de escravidão” que nunca consegui terminar ou mesmo “Django Livre” que pulava umas partes. E “Mississipi em chamas” não foge à regra.




“De onde vem todo esse ódio?”
O roteiro é muito bem construído e nos convida a entrar na cabeça dos sulistas americanos através das falas e ações das pessoas que vivem na pequena cidade de Jessup, no Estado do Mississipi.
“Se você não é melhor que um negro, você é melhor do que quem?”
A verdade é que o cenário todo é de pobreza. As ruas são poeirentas,  os prédios tem pinturas desgastadas, as casas tem azulejos encardidos e descorados pelo tempo com quintais que aparecem como abandonados com lama e sinais de descuido. Tudo sugere uma “américa esquecida.  A desigualdade étinico-racial parece ser um modo de manter a desigualdade econômico-social e dessa forma preservar o tal do “american way”. Afinal, se você não puder ser melhor que um preto, você será melhor que quem?
“Nossos pretos estavam felizes até que vieram esses universitários para agitar. Antes ninguém reclamava”.
Fica claro que o que eles querem preservar não é exatamente o “american way”, mas o modo sulista de se situar na América. Seu modo de vida é a única coisa que têm e não vão abrir mão disso mesmo que para isso se transformem em assassinos. Fiquei me perguntando enquanto assistia como os moradores desse lugar se sentiram ao se verem retratados desse modo hostil para toda a comunidade internacional.
“Estamos aqui para proteger a democracia anglo-saxônica”
Toda a história se baseia em direitos civis. No caso, o direito ao direito ao voto. Os negros, os turcos, os orientais são todos colocados como um risco à essa democracia anglo-saxõnica, a esse direito de voto dessa comunidade anglo-saxônica a qual eles não fazem parte. Assim, como os índios que aparecem no início do filme nos dando uma visão de como são precárias as suas condições materiais. Os brancos do filme até admitem uma cultura negra, ainda que deva ficar longe da cultura branca, mas a dos índios nem existe! Então, esse filme é mais que mais um sobre brancos e negros, é sobre tudo que for diferente da cultura anglo-saxônica.
Na medida em que o filme avança e a violência cresce, uma guerra civil se vai formando. Tantos agentes são chamados e recrutas militares convocados para resolver o que deveria ser uma simples investigação de desaparecimento. Este é um dado que nos faz refletir sobre a profundidade das ações. Há sem dúvida um elemento econômico envolvido, colocado de forma sutil, mas que diz da falta de opção de muitas das personagens-classes arquetípicas da história.
“Você se forma e casa com o primeiro rapaz que faz você rir”
Os personagens vão nos aparecendo como parte de um mosaico que você só irá compreender faltando 30 minutos para o final do filme. Por que tanto a criança negra que vemos sendo surrada enquanto reza, como a mulher branca que lemos em seus olhos o medo do marido vão ser o ponto de virada para nossos heróis do FBI deixaram de lado as normas de buscarem justiça a qualquer preço.


O final é previsível, como já tínhamos anunciado. Os maus para a cadeia, os bons são libertados e a federação aparece para resolver problemas de uma parte de seu próprio povo que ainda não entendeu que eles também são a América em direitos e deveres. Eles adoram se exaltar mesmo quando deixam sair seus esqueletos do armário. É como se dissessem “Não somos como esses caipiras” ou “tem uma parte do país que ainda não chegou lá, mas estamos cuidando disso”. Mas nós sabemos que não é bem assim. Mas isso é cinema e nós gostamos de assistir. Então, vamos deixar de lado que os sulistas e os nazistas queriam a mesma coisa e que esses sulistas foram combater o nazismo, mesmo fazendo com os negros muito perto do que os nazistas fizeram com os judeus e vamos apreciar a obra de Alan Parker que, aliás, é ótima! 
Ainda que o percurso seja previsível, assim como o final é histórico, no sentido de que já sabemos que foi desse jeito mesmo, vale a atuação dos protagonistas, a maestria da condução e, claro, vale aquela esperança de que entre todos os malvados existem criaturas boazinhas que mesmo não fazendo coisas boazinhas conseguem driblar o mal em nome do bem maior.
Só o início já nos diz o que vamos encontrar e como eu não o vi em 1988 quando foi lançado e eu tinha 13 anos, então não posso evitar de compará-lo com outros do gênero. Não tenho muito estômago para esses dramas étnico-raciais como “12 anos de escravidão” que nunca consegui terminar ou mesmo “Django Livre” que pulava umas partes. E “Mississipi em chamas” não foge à regra.
“De onde vem todo esse ódio?”
O roteiro é muito bem construído e nos convida a entrar na cabeça dos sulistas americanos através das falas e ações das pessoas que vivem na pequena cidade de Jessup, no Estado do Mississipi.
“Se você não é melhor que um negro, você é melhor do que quem?”
A verdade é que o cenário todo é de pobreza. As ruas são poeirentas,  os prédios tem pinturas desgastadas, as casas tem azulejos encardidos e descorados pelo tempo com quintais que aparecem como abandonados com lama e sinais de descuido. Tudo sugere uma “américa esquecida.  A desigualdade étinico-racial parece ser um modo de manter a desigualdade econômico-social e dessa forma preservar o tal do “american way”. Afinal, se você não puder ser melhor que um preto, você será melhor que quem?
“Nossos pretos estavam felizes até que vieram esses universitários para agitar. Antes ninguém reclamava”.
Fica claro que o que eles querem preservar não é exatamente o “american way”, mas o modo sulista de se situar na América. Seu modo de vida é a única coisa que têm e não vão abrir mão disso mesmo que para isso se transformem em assassinos. Fiquei me perguntando enquanto assistia como os moradores desse lugar se sentiram ao se verem retratados desse modo hostil para toda a comunidade internacional.

“Estamos aqui para proteger a democracia anglo-saxônica”
Toda a história se baseia em direitos civis. No caso, o direito ao direito ao voto. Os negros, os turcos, os orientais são todos colocados como um risco à essa democracia anglo-saxõnica, a esse direito de voto dessa comunidade anglo-saxônica a qual eles não fazem parte. Assim, como os índios que aparecem no início do filme nos dando uma visão de como são precárias as suas condições materiais. Os brancos do filme até admitem uma cultura negra, ainda que deva ficar longe da cultura branca, mas a dos índios nem existe! Então, esse filme é mais que mais um sobre brancos e negros, é sobre tudo que for diferente da cultura anglo-saxônica.
Na medida em que o filme avança e a violência cresce, uma guerra civil se vai formando. Tantos agentes são chamados e recrutas militares convocados para resolver o que deveria ser uma simples investigação de desaparecimento. Este é um dado que nos faz refletir sobre a profundidade das ações. Há sem dúvida um elemento econômico envolvido, colocado de forma sutil, mas que diz da falta de opção de muitas das personagens-classes arquetípicas da história.
“Você se forma e casa com o primeiro rapaz que faz você rir”
Os personagens vão nos aparecendo como parte de um mosaico que você só irá compreender faltando 30 minutos para o final do filme. Por que tanto a criança negra que vemos sendo surrada enquanto reza, como a mulher branca que lemos em seus olhos o medo do marido vão ser o ponto de virada para nossos heróis do FBI deixaram de lado as normas de buscarem justiça a qualquer preço.
O final é previsível, como já tínhamos anunciado. Os maus para a cadeia, os bons são libertados e a federação aparece para resolver problemas de uma parte de seu próprio povo que ainda não entendeu que eles também são a América em direitos e deveres. Eles adoram se exaltar mesmo quando deixam sair seus esqueletos do armário. É como se dissessem “Não somos como esses caipiras” ou “tem uma parte do país que ainda não chegou lá, mas estamos cuidando disso”. Mas nós sabemos que não é bem assim. Mas isso é cinema e nós gostamos de assistir. Então, vamos deixar de lado que os sulistas e os nazistas queriam a mesma coisa e que esses sulistas foram combater o nazismo, mesmo fazendo com os negros muito perto do que os nazistas fizeram com os judeus e vamos apreciar a obra de Alan Parker que, aliás, é ótima!




terça-feira, 21 de julho de 2015

50 TONS DE CENSURA, [sobre o livro "50 tons de cinza"]

Quando se fala muito sobre um livro, ainda mais com um conteúdo picante como a série 50 tons, da escritora londrina E. L. James,  é preciso cautela na verbalização dos comentários; ofender a leitura talvez seja ofender o leitor e ninguém quer verdadeiramente isso, não é mesmo?. Mais do que “gosto” ou “não gosto”, além dos intermináveis “este livro é uma bossssta” e os inúmeros “amoooo!!!!” é preciso ter em vista que os motivos para a leitura de certo texto são múltiplos e variados e que minimizar isso a “gosto” e não gosto” é simplificar um ato cognitivo importante ao desenvolvimento geral do intelecto. Os comentários acima foram emitidos por algumas pessoas quando postei em uma rede que estava lendo o primeiro livro da série, 50 tons de cinza. Ok. É um best-seller. 
Com essa afirmação óbvia estou a dizer que ele é formatado para vender. E vender muito. Observem que há um padrão nesses livros (os homens são bonitos e poderosos, as mulheres são frágeis, mas decididas, eles são incompatíveis seja pela personalidade ou a vida que cada um leva e alguém é rico, podre de rico!) e você o lê tão rápido que nem sabe como foi aquilo, é como se não precisasse pensar sobre o que ler, como se fosse um filme. E não é que eles acabam se tornando filme? Curioso? Não. Se você procurar por cursos para escritores em universidades americanas e reparar bem no conteúdo ministrado vai ver que existe um fórmula e que  você bem poderia escrever um romance do mesmo jeitinho se tiver uma história para contar. Ah! Por que disso ninguém escapa: é preciso ter uma história antes de arrumá-la dentro de um modelo para best-sellers. Esse tipo de produção literária é voltado para o entretenimento e não par ao entendimento. Mas pode ser bem inspirador. Falando do livro em si, como em outros do gênero ele é suave demais para ser hot e descritivo demais para ser literatura. Então, não sei se ele poderia ser classificado como Literatura Hot, acho que é o nome seria Romance de Entretenimento. O texto é chapado, não há intertextos ou contextos; uma leitura pobre  de referências e que abusa das frases curtas. É irritante como a todo momento marcas de grifes famosas vão se apresentando de maneira invasiva e pouco literária. Quero dizer, a criatura não poderia apenas colocar um sapato com salto agulha, ele tinha que ser Louboutin? Se fosse para referenciar o quanto o protagonista era rico digo ser absolutamente desnecessário, outros dados mais relevantes já tinham sido dados como o fato dele ser capa da Forbes antes dos 30 anos de idade. O citado sapato custa em média $4.665,00 e está sempre associado à celebridades americanas. Na minha opinião, ela estava era cavando uma associação sexual e marqueteira com o tal sapato, já de olho na produção fílmica que viria. Isso não é arte, pessoas, isso é entretenimento.  O efeito textual de “seu xampu” é o mesmo de “seu xampu Chanel comprado em Paris”. Uma adjetivação ostensiva e desnecessária. Como ela pode ser tão descritiva com um xampu e tão pouco  com um plug anal? Se for para ser descritiva, então sejamos com as coisas pouco usuais. Posso apostar que todas as pessoas que leram o livro têm um xampu no seu banheiro, já um plug anal...bem penso que não todas. Não faz sentido então uma descrição em detrimento da outra. A não ser para ganhar pontos no terreno comercial. Uma das coisas que me chamou a atenção foi como ele inseriu Anastasia em sua vida. Primeiro o universo BSDM é muito cuidadoso em não permitir que “estranhos” entrem assim do nada. Uma situação de, no mínimo, verossimilhança, Ana teria que fazer parte desse mundo. Depois, o contrato nunca assinado e várias vezes violado, as incontroláveis “primeiras vezes” e o falso pudor da submissa que de submissa não tinha nada. Ora, um dominador é louco por controle; esse aliás é o motivo dele se tornar um dominador no universo sexual, para ter controle sobre algo. Nãos e deixaria levar por romantismos cafonas ou tentaria viver o melhor dos dois mundos. No máximo, ele tentaria ter duas relações diferentes se a namorada aceitasse uma submissa na vida dele, por exemplo. Passei o livro1 me debatendo sobre o perfil psicológico do personagem e então percebi, no segundo livro, que ele não era um dominador. Mas apenas um jovem com uma infância difícil e uma adolescência perturbada que teve a ventura de encontrar uma pedófila de carteirinha. Sim, por que pedofilia é uma perversão sexual, ainda que relações D-S sejam consideradas fetiches, sem ser fetichistas, essa sim uma perversão. É um universo confuso, mas que só foi possível acessar por que despertei para ele por meio dessa série um tanto quanto confusa com relação ao tema que propõe. Em mais de 20 anos de vida sexual ativa nunca tinha atinado para esse universo. Por isso, independente das incongruências contextuais, do texto superficial, ele tem o mérito de ser inspirador à outros modos de ser e de viver. E não deve ser essa uma característica do texto artístico? 

Não via a hora de assistir a essa história no telão! É diferente  do processo solitário da leitura; essas cenas para ver acompanhada, objetivando inspirar uma parceria num universo tão controverso, mas também tão inspirador. Carpe Diem! Viva o prazer. Toda forma de prazer vale a pena e toda forma de leitura também, mesmo que não seja literatura, mesmo que seja entretenimento puro, simples e prazeroso.

SOBRE A TRILOGIA SEVENWATERS, JULIET MARILIER


Na trilha de Sevenwaters, três narradoras - Sorcha, Liadan e Fainne - três mulheres, três histórias envolvidas em um só destino: a preservação do sagrado. 

Cada uma em seu momento histórico, com suas escolhas (que também consistia, às vezes, em não ter escolha!), foram no curso do tempo fortalecendo suas habilidades e seus espíritos através de gerações. No livro 2, por Niamh, filha de Sorcha, irmã de Liadan e mãe de Fainne, é possível vislumbrar a realidade feminina mais oprimida, mas ainda assim quase em toda a série são elas a comandar a Roda do Tempo. Sempre. Estranhamente, comandam o seu destino ao lado de homens que as deixam realizar suas escolhas sem grandes interferências, algo inusitado se pensarmos o suposto período histórico privilegiado pela autora. 

E essa é a grande falha da trilogia: esta suposição temporal. 

Para quem acostumou com o cuidado histórico de Marion Zimmer Bradley, senti uma certa ausência de contexto. O cenário não nos é dado historicamente, sujeito à imaginação do leitor, a trama poderia acontecer até na Ilha do Tesouro e não faria diferença. As guerras são entre os personagens, como se estivessem numa bolha em um tempo e lugar qualquer entre a Irlanda e a Inglaterra. É uma falha imensa em minha singela opinião. Afinal, quem busca Literatura de Época, quer saber sobre o período que está lendo. Então, ela ganha ares de Literatura Fantástica ao trazer esses mundos mágicos também sem muito contexto. Podemos inferir alguma coisa, no colocar entre 100 ou 200 anos depois do Cristo romano. Pelo cotidiano rude, a maneira como se vestem, a presença vulgar de padres e conventos ao lado de seres encantados e uso de magia, curandeiros e guerras religiosas podemos inferir algo, mas não é possível precisar. O que ocorria na Bretanha, Na irlanda e na Europa enquanto as três mulheres narravam suas histórias? Quais os efeitos dessas ocorrências no mundo mágico que as rodeava? Quão velha era a velha tradição da qual tanto falavam e lutavam para preservar? Difícil dizer pela ausência de um cuidado histórico, imprescindível à Literatura de Época. O que é uma lástima por que a história das mulheres ligadas a Sevenwaters é fascinante. Uma das coisas mais elementares como misturar eventos históricos com as narrativas das personagens trariam aquela possibilidade de percebermos as mulheres reais que me encanta neste tipo de literatura. Como Marion fez, Como Bram Stocker faz e até como Shakeaspeare fez. Pois sempre tivemos escritores que, buscando narrativas ambientadas em um tempo distante do seu, tentaram compreender as representações do mundo em seus processos historicamente construídos. Um bom entretenimento. Mas só! 
Acredito na dimensão educativa da literatura e nesse essa dimensão simplesmente não existe. Mas é uma boa história com um final até imprevisível e feliz. E quem me conhece sabe: eu adoro finais felizes! Então, tá valendo! ‪#‎eurecomendo‬